Tayngava: Padrão, imagem, réplica, imagem de humano.
"Pode-se afirmar que a predominância formal do Tayngava se relaciona à noção que representa, ou seja, a noção da própria representação (imagem) como constitutiva do ser."
Regina Pollo Muller.
“A pintura corporal não está rigidamente ligada à função de especificar o status de seu usuário no contexto ritual. À execução das pinturas de iniciação, ela é apenas um dos itens que compõem a ornamentação do corpo. Esta adquire significado mais pela soma e combinação de seus muitos elementos constitutivos do que pela rigorosa exegese dos adornos utilizados. Uma criança de sete anos pode perfeitamente usar a mesma pintura utilizada por um homem maduro no mais alto cargo da hierarquia cerimonial.
...a pintura é feita com prazer, em situações informais, com pessoas rindo e comentando o desenho que está sendo feito. Mesmo aparecendo em situações altamente formalizadas, as razões que ditam sua execução estão em outro terreno: o do prazer estético, dos modismos, dos improvisos, e de uma pesquisa sobre novas formas de expressão, certamente bastante longínquas da sobriedade que rege sua vida ritual e espiritual.
A INICIAÇÃO MASCULINA
Os jovens que passam pelo processo de iniciação representam a única categoria de idade a dispor de uma pintura corporal exclusiva. Esse processo que dura aproximadamente um ano e meio, a partir de um início da puberdade, marca a passagem do rapaz da casa da mãe para a casa dos homens, centro da sociedade masculina.
Durante todo esse tempo, seu corpo é inteiramente pintado de preto com jenipapo, para que fique parecido com uma ariranha.
JURÈ – Combatividade, agressividade e rapidez dentro e fora da água, qualidades importantes para um guerreiro.
Em seus últimos meses como Jurè, passam a utilizar pinturas onde já se permitem algumas “aberturas” nos ombros, braços e rosto, como que anunciando o final desse período em suas vidas.
Pintura ritual e os antigos Karajá.
André Amaral de Toral
No mito da Mulher Estrela, heroína cultural responsável pela origem das plantas cultivadas, a transformação de estrela em ser humano se efetua por meio da pintura e da ornamentação corporais. E assim também o recém-nascido, após a queda do cordão umbilical, é, logo em seguida pintado de jenipapo, reconhecimento de seu status da pessoa humana.
Aplicada no corpo, a pintura possui a função essencialmente social e mágico-religiosa, mas também é a maneira reconhecidamente estética (MEI) e correta (KUMREM) de se apresentar.
A decoração é concebida para o corpo, mas este só existe através dela.
A PINTURA CORPORAL E A ARTE GRÁFICA ENTRE OS KAYAPÓ-XIKRIN DO CETETÉ. Lux Vidal.
ASURINI DO XINGÚ
Tayngava, a noção de representação na arte gráfica.
- Os significado do desenho Asurini estão associados à cosmologia e às noções fundamentais da visão de mundo deste povo.
À predominância do sobrenatural na organização do cosmo e na própria representação da sociedade correspondem aspectos formais das representações visuais manifestas em desenhos geométricos.
O corpo humano é o suporte por excelência das manifestações gráficas elaboradas pelas mulheres.
Geometrização e a totalização do espaço como modo de percepção visual são as tendências que definem o desenho Asuri.
As formas abstratas com as quais se realiza a geometrização do espaço referem-se a elementos dos três domínios cósmicos já citados, a natureza, a cultura e o sobrenatural.
TAYNGAVA: Padrão, imagem réplica, imagem de humano.
Pode-se afirmar que a prepoderancia formal do Tayngava se relaciona à noção que representa, ou seja, a noção da própria representação (imagem) como constitutiva do ser.
Tayngava, a figura elementar da grega.
A tradução da palavra AYNGAVA (raiz = AYNG) AV:(a) formador de circunstância) é réplica, medida, imagem...
Exemplo: o desenho de um homem é AVARAINGAVA (AVA)=gente
um pedaço de pau que serve de medida para marcar a planta de uma casa no chão é AYNGAVA. Acrescida do prefixo “T” forma gramatical que indica possuidor humano, significa “imagem do ser humano”.
O tayngava representa, na verdade, uma noção básica da filosofia ASURINI: a noção de que a representação/imagem é constitutiva do ser e de que a pessoa humana se constitui do princípio vital YNGA e de sua representação/imagem, os quais simultaneamente, conferem a unidade de ser humano/vivente.
Tayngava, a noção de representação na arte gráfica. Asurini no Xingú – Regina Polo Muller.
A Iconografia Kadiweu atual
Jaime Garcia Siqueira Jr.
“A confecção de peças segue as técnicas tradicionais: a superposição de roletes de barras já preparadas, amoldados com a concha de uma colher para dar forma à peça: a marcação dos padrões decorativos efetuados com um cordão de caraquara, o processo de queima com o negro do palo-santo e os barros coloridos.
Ao contrário da arte iconográfica de outros grupos indígenas como os WAIAPI por exemplo, a consistência dos desenhos Kadiweu não está em nomes ou significados míticos. Não há informações sobre antigas significações míticas, e os poucos nomes que foram levantados por Darcy Ribeiro, em 1948, já não são usados atualmente.
Essa iconografia consiste em desenhos abstratos e geométricos de elaboração complexa e de uma variedade de combinações bastante extensa. Por meio de oposições binárias de motivos decorativos, os artistas alcançam extraordinária harmonia nos desenhos.
Motivos elementares dos desenhos.
A arte gráfica Kadiweu destaca-se por sua grande complexidade e diversidade na elaboração, mas podemos distinguir claramente alguns motivos decorativos básicos.
Traços retilíneos compostos de triângulos, retângulos e escalonados (linhas quebradas que formam ângulos alternadamente salientes e reentrantes em forma de escada.
Os traços curvilíneos presentes nos espirais e voltas. Ocorrem normalmente combinações com todos esses motivos, com destaque às vezes maior para um ou outro elemento básico. O efeito dessas composições surgiu a Levi-Strauss a seguinte reflexão:
“Quando se estudam os desenhos CADUVEU impõe-se uma constatação: sua originalidade não provém dos motivos elementares, que são bastante simples para poderem ter sido inventados independentemente e não copiados (provavelmente os dois processos existem lado a lado) resulta da maneira como seus motivos estão combinados entre si, colocando-se ao nível da obra acabada “Levi-Strauss, 1935: 184 grifo nosso))
“A tecnologia humana – diferentemente da animal – está ligado à existência de uma memória social étnica. Memória que permite a cada geração sobreviver sem ter que reinventar tudo o que serve de ponto de partida para eventuais progressos” (1975: 48) H.Balfet.
A memória iconográfica dos Kadiweu mantém-se de forma intensamente viva e atuante, na medida em que a utiliza em seu cotidiano – na decoração das peças de artesanato – preservando ao mesmo tempo outro acervo decorativo mais complexo e elaborado os padrões da pintura facial – corporal – que se expressa, ocasionalmente nos desenhos em papel.
ARTE ICONOGRÁFICA WAIÃPI
Dominique Tilkin Gallois.
“A pintura corporal, como tradicional de aplicação de motivos gráficos, tampouco informa sobre categorias sociais, não existe motivos reservados para determinadas classes de pessoas discriminadas por sexo ou idade (como ocorre, por exemplo na pintura dos Kayapó-Xikrin) nem para diferenciar momentos cotidianos ou rituais.
Qual seria então o domínio que ela expressa?
A resposta será encontrada no temático dos desenhos e no significado dos motivos abstratos da pintura corporal: são espécies naturais e/ou sobrenaturais, são motivos relacionados aos mortos e aos inimigos... Privilegiando o que está “fora da sociedade” (Viveiros de Castro, 1986), a arte iconográfica WAIÃPI relaciona-se diretamente ao mundo dos “outros”.
E nesse sentido, constitui-se como um dos meios de comunicação privilegiados com mundo sobrenatural.
O ESTILO WAIÃPI DE DESENHAR
Kusiwa e ta´anga
Kusiwa pode ser traduzido como representação gráfica abstrata e inclui outras formas de representação alheias à tradição do grupo, como a escrita. Nesse sentido, KUSIWA opõe-se a outro conceito de representação figurativa que designa, por exemplo, a fotografia e, no sistema tradicional, se reflete aos bonecos zoomorfos confeccionados com palha ou madeira.
O REPERTÓRIO “AIANE KUSIWA” (nossos motivos)
No conjunto das ilustrações coletadas nas diferentes aldeias da região AMAPARI é notória a representação de padrões, formando motivos individualizados por nomes, que são reconhecidos praticamente todos os indivíduos daquela área indígena.
EXEMPLARES MAIS COMUNS DE MOTIVOS:
Cobra: MOI como termo genérico e MOIU ara anaconda, ou sucuri.
Espinha de peixe – pira Ka´we como termo genérico.
Borboleta – panã pepokwer como termo genérico.
Casco de jaboti – iãuri como termo comum, com especificações de alguns tipos de tartarugas aquáticas ou terrestres.
O vocabulário do desenho dos warapi é relativamente limitado: se existem nomes para suas representações completas – há poucas denominações para os elementos básicos do desenho. Esses para as seguintes figuras, pois existem apenas dois tipos de traços mínimos: o ponto e a linha.
Esses elementos básico nunca estão soltos em linhas paralelas que contornam as representações de cobras, sapos, borboletas. Os termos utilizados para designar esses elementos básicos simples ou compostos são os seguintes:
PONTILHADOS: WIRIRI ( “conjunto de peixinhos”)
LINHAS PARALELAS: KôWE (“espinha ou osso “)
LINHAS CRUZADAS: RYKYRY (“lima”)
LINHA QUEBRADA: MOJ (“cobra”) ou MOJU (“anaconda”)
A pintura que os WARAPI consideram mais “bonita” tem as seguintes características:
- firmeza do traço, sem respingos nem manchas (m detalhe importante, por exemplo é fechar corretamente os ângulos dos motivos).
- complexidade na associação de vários motivos em uma mesma superfície, o que valoriza o conhecimento de repertório e a criatividade na composição decorativa.